Téspis Cia. de Teatro faz turnê por Santa CatarinaBy Marco Vasques
Publicado originalmente na
Revista Osiris, em 11/03/2011
A Téspis Cia. de Teatro faz turnê, durante todo o mês de março, pelo interior do estado Santa Catarina com espetáculo Pequeno inventário de impropriedades. O grupo que tem em seu repertório trabalhos como Lili reinventa Quintana [trabalho realizado a partir da obra do poeta Mario Quintana], A ingênua [baseado na obra da dramaturga argentina Griselda Gambaro] faz, agora, com Pequeno inventário de impropriedades o circuito EmCenaCatarina promovido pelo SESC. É preciso dizer que o teatro catarinense vive o melhor ciclo dos últimos 20 anos, pois não são poucas as companhias que acumulam mais de década de atividades contínuas e com repertório consistente e vasto. A Téspis Cia. de Teatro, por exemplo, está próxima de completar 20 anos de atividades ininterruptas. E é na constância do exercício que a companhia chega ao espetáculo Pequeno inventário de impropriedades que, sob nosso ponto de vista, é um dos melhores trabalhos do grupo. A dramaturgia surge de uma espécie de diário poético que o ator Max Reinert escrevia em seu blog homônimo. Poemas, contos, fragmentos de prosa poética que ele redigiu no blog foi, aos poucos, tomando um eixo-poético-visual que resultou numa dramaturgia perturbadora e que questiona os dias de morte em vida que o personagem passa. Que tal você acordar um dia e perceber que sua vida é amorfa, que você não tem muito motivo para estar no mundo, que as pessoas não se importam com suas dores e que você só é um “ser economicamente viável”. E perceber que vivemos numa moenda insana e somos a roda da máquina de produzir nulidades. E assim a vida escorrega pelas mãos. Contudo você percebe que pode e deve ir além e então resolve ter personalidade, ser autêntico e fazer da sua existência algo mais que comer, beber, falar umas bobagens e dormir até envelhecer e morrer. E é obvio que esta opção tem um preço, um alto preço. O espetáculo Pequeno inventário de impropriedades, escrito e interpretado pelo ator Max Reinert, nos coloca na posição fronteiriça entre seguir ou não-seguir às exigências diárias, entre aceitar ou banir a pasteurização completa da vida e, sobretudo, nos coloca face a face com o próprio ato de existir. O que está em questão é sim a existência e o seu sentido ou seu não-sentido. Camus, no livro O mito Sísifo, explora até as últimas consequências o que Max Reinert, dirigido por Denise da Luz, ilumina no palco. O trabalho tem um cenário mínimo [uma cadeira, um balde, cama emoldura por imenso tapete vermelho e enorme lençol branco ao fundo para as projeções de imagens]. E o palco inteiro para Max Reinert, num monólogo vertiginoso, coreografar a luz e as trevas de um personagem que pode muito bem ser qualquer espectador numa manhã qualquer. Pequeno inventário de impropriedades é fragmento que inteira. É poesia em movimento. É imagem capaz espantar o mais exigente dos artistas visuais. O que impressiona no trabalho é a capacidade que a direção teve de, ao utilizar outras linguagens, não apagar a figura do ator. Não raro espetáculos que usam de múltiplas linguagens abduzem o ator até sua arte virar apenas um apêndice. Há quem defenda este hibridismo completo. Não é o nosso caso. E Max Reinert está no seu momento como ator. Achou o ritmo do corpo, da voz e sua presença no palco. Ele domina o público. Faz do palco, praticamente vazio e imenso, sua arena de desejos e teatralidade. É bonito e emocionante ver um ator solto no palco, tratando sua arte na dimensão que Max Reinert alcançou. Faz o seu trabalho parecer fácil, natural como o voo de um pássaro. O diálogo com as mídias digitais ocorrem na medida exata. A direção do espetáculo é precisa, justa. Pequeno inventário de impropriedades é um grito contra a mecanização do homem em suas relações e em seus múltiplos sentidos. É estética da palavra, aliás, é a palavra a serviço da dramaturgia [Barthes]. É na imagem e no silêncio que mora a voz deste personagem que nos chega abrindo feridas e expondo as nossas fragilidades. Há apenas um pecado em Pequeno inventário de impropriedades. A peça-poema se torna redundante em suas referências simbólicas. O trabalho finda ao se projetar um poema, fruto da escrita de Reinert, em pleno combate com o ator. Neste ponto do espetáculo tudo já foi dito, tudo já foi apresentado, mas o grupo opta pela permanência do ator no palco para um pequeno epílogo. Uma coda inútil e redundante. Uma exacerbação que esgarça e atenua todo impacto poético produzindo anteriormente. E do próprio ator a frase: “Um ator, se tiver talento e trabalhar a vida toda, muito provavelmente terá uma carreira significativa.” A Téspis Cia. de Teatro já tem seu espaço assegurado na história de nosso teatro. Denise da Luz e Max Reinert têm seus nomes afirmados pelo longo, responsável e aplicado trabalho que vêm fazendo. Portanto, não deixem de apreciar a arte que chega em sua cidade. A programação com datas e cidades está em (www.tespisfpolis.blogspot.com). Bom espetáculo!! Ah! Pequeno inventário de impropriedades estará no Festival de Teatro de Curitiba que começa no final de março.
Fotos de Marco Vasques feitas durante o Festival de Teatro da FECATE, em Brusque (SC).